Acabei de fazer os 350Km que me separam de Setúbal, vindo da José Maria da Fonseca, a fechar as duas semanas em que estive numa prova de Porto Vintage 2009 em Lisboa e no aniversário da Garrafeira Tio Pepe, no Porto (portanto, uma semana difícil...).
À chegada, pelas 11h00, muitas caras conhecidas no grupo de Bloggers acompanhados pela Sofia Soares Franco - manager da área de Enoturismo - que nos recebeu, seguindo-se uma visita exactamente igual à que é efectuada pelos turistas. Como eu já tinha estado na JMF em Maio, na Prova de Moscatéis José Maria da Fonseca, não estive completamente atento durante a primeira parte da visita; no entanto quando subimos aos jardins e às adegas, surpreendentemente fiquei mais atento.
Ao contrário da anterior visita, desta vez estive perto da garrafeira privada da família, onde repousa uma grande parte da riqueza da casa (podem-se ver centenas de garrafas e tonéis alinhados), e onde só entram os (muito poucos) eleitos. A visita por si só vale bem a pena pela História desta grande casa, pelo percurso individual de cada vinho apresentado e pela hospitalidade que - da minha experiência - é regra.
A primeira parte da prova apresentou alguns vinhos que eu já conhecia, como o Quinta de Camarate Branco Seco 2010 com Alvarinho (amarelo claro, aromas tropicais e boca frutada, bem quilibrada), o Quinta de Camarate Branco Doce 2010 também com Alvarinho (amarelo esverdeado, mineral e com toques de pêssego e banana, suave - a ter à mão para consumo frequente), o Quinta de Camarate Tinto 2008 (rubi, aromas típicos da touriga nacional e frutos vermelhos, suave e com boa frescura) e o Pasmados Tinto 2008 (rubi, aromas da touriga nacional, menta da syrah, cerejas e madeira, boa acidez e longo....).
Depois do aquecimento, começou a prova de resistência, com a orientação do Eng. Domingos Soares Franco, onde desfilaram curiosidades, experiências e valores mais do que confirmados. Para começar, uma comparação entre o nosso Verdelho e o Verdejo (para além da prova propriamente dita, foram apresentadas evidências de que, de facto, são completamente diferentes). Logo a seguir, uma comparação de Grand Noir entre fermentação em Talha, Lagar e Inox (foi apenas a segunda vez que tive a oportunidade de experimentar o resultado da fermentação em Talha, na qual realço os aromas a barro - claro! - terra e toques vegetais). De seguida... a prova de resistência com a prova em primeira mão do J de José de Sousa 2009:
Domini Plus 2008
Cor púrpura.
A presença desta casa no Douro mostra-se neste Domini Plus; fruta (amora, cereja), coco e pimenta.
Fresco e com um corpo imponente, exige acompanhamento sólido.
Ricardo: 16
FSF 2007
Rubi mais claro.
Aromas terrosos e da floresta, especiariasm balsâmico e toques florais. Oferece-nos uma prova de boca à macho, a mostrar os taninos que exigem sólidos a acompanhar; por isso mesmo, fica na boca durante muito tempo a lembrar que por lá passou..
Ricardo: 17
Periquita Superyor 2008
Vermelho escuro.
O nariz mostra toques de couro, especiarias (noto em particular a canela), framboesas e baunilha da madeira. A boca confirma a elegância e suavidade do nariz, e parece que não quer acabar.
Ricardo: 17.5
J de José de Sousa 2009
Aromas a fruta madura (vermelha e preta), chocolate e mineral. Na boca é extremamente suave, equilibrado, com a fruta a sobressair, e muito longo.
Ricardo: 18
Colecção Privada DSF Moscatel de Setúbal (Armagnac) 1998
Aromas de laranja, chocolate, verniz e um pouco de tosta que parecem explodir no copo, resultando num excelente bouquet e grande elegância. A boca não acompanha o excelente nariz.
Ricardo: 17
Colecção Privada DSF Moscatel de Setúbal (Cognac) 1999
Engarrafado pela primeira vez em 2011 com um perfil muito mineral, muito menos frutado e mais duro, com toques de amêndoa amarga. A boca é excelente.
Se se conseguisse juntar o nariz do Armagnac com a boca do Cognac.........
Ricardo: 17
Colecção Privada DSF Moscatel Roxo 2003
Dourado com laivos de vermelho.
Aromas a avelãs e figos, com uma boca muito elegante e acidez equilibrada. Dura... e dura...
Ricardo: 17.5
Moscatel Roxo 20 anos
Bastante floral, doce (até no nariz se sente a doçura), mel e frutos secos. Bastante equilibrado e persistente. Está igual à última vez que o provei.
Ricardo: 16.5
Bastardinho 2009 e 2011
Cor castanho claro em ambos, com muita fruta fresca, polpa doce, e adstrigência vincada; doçura excessiva que - acredito - há-de evoluir positivamente; serviram como apontamento sobre os planos da JMF para tentar recuperar esta tradição.
Ricardo: -
Depois de toda esta luta, estava chegada a hora do almoço, com a companhia da equipa da JMF, numa clara demonstração de que nada fica ao acaso: depois da prova de grande nível, um almoço de grande nível, nomeadamente no casamento perfeito entre sólidos e líquidos:
Lancers Rosé
Queijo de Azeitão
Creme de Ervilhas
Pasmados Branco 2008: amarelo vincado, nariz frutado e vegetal; untuoso e bom toques de baunilha a confirmar a presença em madeira. Gostei.
O prato principal foi um Bacalhau Dourado com Salada Rica, acompanhado com o Hexagon 2003 (linda cor rubi, com um nariz floral, frutado e com toques minerais, de tabaco e menta; na boca confirma o que já se conhece: complexo, encorpado mas suave e parece que não quer acabar). A receita deste Bacalhau é antiga, e mantém-se na memória da cozinheira, e é curiosamente o prato preferido do Eng. Domingos Soares Franco.
Seguiu-se a sobremesa - torta de azeitão com fruta laminada - acompanhada com o excelente Bastardinho de Azeitão 30 anos (lindíssima cor âmbar escuro, com um nariz especiado e cheio de frutos secos, acidez perfeita, e com uma persistência de invejar). Definitivamente, vou ter de ajudar o Nuno a verificar se a garrafa que ele tem em casa está igual a esta.
Por fim, estava reservada a surpresa do dia: uma garrafa mistério, servida ainda antes do café. O nariz extremamente complexo e elegante - café, laranja, caramelo, iodo - e uma prova de boca explosiva mas fresca, com uma persistência impressionante (garanto que ainda sentia o sabor durante a viagem para o Norte). Não demorou muito para se desvendar o mistério: Moscatel Setúbal Superior de 1955, o prazer dentro de uma garrafa. Independentemente de tudo o resto (hospitalidade, simpatia, profissionalismo, qualidade) é de registar a generosidade desta enorme casa por nos ter possibilitado esta experiência ímpar.