Já andávamos para ir ao Bocca há muito tempo. Primeiro foram aquelas situações que nos acontecem com frequência, que é querer ir a algum lugar que não conhecemos e não nos lembramos de nada... até ao dia a seguir. Depois veio o filhote e estivemos no pré e pós nascimento dele numa quarentena de jantares fora.
Mas, finalmente, a oportunidade surgiu. A creche do garoto volta e meia tem uma noite especial para os pais e ficam com eles até à 1 da manhã. Aqui só para nós, às 22h já lá estávamos para o ir buscar... Somos uns progenitores galinácios, é verdade.
Para variar, estivemos até à última para escolher onde ir jantar, mas uns dias antes o nosso amigo André Ribeirinho tinha publicado no Facebook umas fotos no Bocca a meter nojo ao pessoal, o que acabou por facilitar a escolha. Isso e o interessante blog da equipa de cozinha deles.
Chegámos cedo e fomos encaminhados para a mesa que tínhamos reservado enquanto dávamos uma olhada à volta. Decoração com muito gosto, moderna mas sóbria qb, referências à cidade de Lisboa em alguns painéis, muitos espelhos a dar uma sensação de mais espaço do que realmente tem e, para mim a cereja em cima do bolo, a enorme vidraça que permite ver a equipa de cozinha em acção.
Na altura havia 2 menus de degustação à escolha, em que um deles tinha mais 2 pratos que o outro, e o menu à carta. Optámos por ir para o menu mais pequeno (amuse-bouche mais 4 pratos), até porque aqui o esquisito não gostava de 2 dos pratos do menu maior, e porque para comer 3 ou 4 pratos acabava por ficar mais caro do que o menu.
Não me vou alongar muito sobre os pratos propriamente ditos, até porque a carta vai mudando e já não é a mesma, mas sim sobre a experiência gastronómica em si, que será o que interessa a quem ler isto com ideias de ir lá comer. É um restaurante de cozinha moderna, aqui e ali com algumas referências de pratos típicos portugueses, mas sempre como apontamento. Começou com um amuse-bouche de abóbora e enchidos (acho que era isto, mas não tomei nota e a minha memória não chega para estas coisas), seguido por um fresco salmão mergulhado em vichyssoise de maçã e seu sorbet, um carpaccio de pato com chalotas e chutney de ananás (potente!), um pregado com molho de mexilhão e pinhões e, como sobremesa, "arroz doce", que era um gelado de limão regado com creme de arroz doce. O que gostámos menos foi da sobremesa, embora o contraste do limão com o doce tivesse alguma piada. Quanto ao que gostámos mais é difícil dizer. No meu caso acho que gostei mais do pregado, apesar de conhecer algumas pessoas que acharam o contrário. Mas a tarefa de vir a seguir ao pato era complicada, eu trocaria a ordem destes 2 pratos.
Ingredientes de elevadíssima qualidade, a maioria nacionais, boa integração dos sabores e uma confecção dos pratos com elevado nível de afinação. Até pela calma com que se trabalhava na cozinha, dava a sensação que podiam fazer aquilo de olhos fechados que não haveria grande lugar a falhas. Faltou apenas o “factor uau”, um prato daqueles que ficam para sempre na memória.
Como não há fome que não dê em fartura, passado menos de um mês estávamos lá novamente, mas para almoçar. Era preciso tirar fotos de jeito, porque as do jantar estavam muito más! Ao almoço havia um menu de almoço de valores mais acessíveis do que ao jantar, com pratos de mercado de rotação semanal, que foi a nossa escolha. Curiosamente, não achei que esses pratos ficassem nada a dever aos do jantar e foi um risotto de lima com vieiras grelhadas, comido nesse almoço, o prato que mais recordações me deixou deste restaurante.
Infelizmente em Janeiro deixaram de haver almoços no Bocca. A boa notícia é que passaram a haver pratos de mercado ao jantar e um menu sugestão, tornando possível baixar um pouco o preço do jantar.
Se ainda não adormeceram a meio do texto - a minha capacidade de síntese está fraca - tenho ainda que dedicar umas palavrinhas ao serviço. A não ser que nós e as pessoas que aconselhámos a ir lá tenhamos todos tido uma sorte descomunal, será muito difícil encontrar melhor serviço de sala em Lisboa. Se há coisa que detesto é em restaurantes, mesmo dos caros, ter que passar a vida a chamar os empregados para tudo. E então se tiver o azar de apanhar engravatados numa mesa ao lado nem se fala, às vezes até chego a pensar fotografar-me a mim próprio para verificar se não me tornei invisível. No Bocca em momento nenhum foi preciso chamar ninguém para nada, apareciam sempre nos momentos certos. Nem a presença de um ex-ministro umas mesas ao lado fez sentir que havia tratamentos preferenciais.
Não posso deixar de destacar o trabalho do Ricardo Morais, que agora acabou de ganhar o prémio de Escanção do Ano da Revista de Vinhos, tanto na elaboração da carta de vinhos, como no serviço na sala e no grande estudo da harmonia entre pratos e vinhos. Se eu fosse alterar alguma coisa nas sugestões dele para os pratos só ia estragar. Com vastas opções a copo, demos liberdade total para sugerir os vinhos e nunca seguiu o caminho mais fácil de ir buscar vinhos mais caros. Pelo contrário, aconselhou-nos muitas coisas menos conhecidas, de boa relação preço/qualidade, que casaram sempre na perfeição com os pratos. Recordo várias vezes com satisfação a combinação do pregado com um Senhor D'Adraga Branco ali da zona de Colares, do qual nunca tinha ouvido falar até àquele dia.
A parte mais custosa ficou para o fim, o preço. Pagámos cerca de €60 por pessoa com vinhos, o que torna difícil ser cliente regular, pelo menos para a minha carteira. Mas não há milagres, a qualidade dos ingredientes e as excelentes equipas de cozinha e sala não se pagam sozinhas. Mas será sempre uma das minhas minhas primeiras opções para ocasiões especiais
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