Adega de Borba: visita e prova vertical

Adega de Borba: visita e prova vertical

Num belo sábado deste nosso frio Janeiro, e depois de passar a noite em Vila Viçosa, cheguei a Borba e dirigi-me directamente para a Adega de Borba, onde já estavam a Márcia Farinha e o Eng. Óscar Gato, o Director Técnico e de Enologia desta grande casa. Uma vez que o resto dos convidados se atrasou, tive a oportunidade de acompanhar ambos enquanto preparavam a prova vertical do Adega de Borba Rótulo de Cortiça (há quem diga que ajudei a provar, mas isso são acusações absolutamente infundadas).

Depois de 5 minutos de conversa, foi para mim evidente o enorme sentido pedagógico com que o Eng. Óscar versava sobre a Adega, as características das castas, as dificuldades mas ao mesmo tempo as vantagens de gerir 200 associados, cerca de 30 castas e 2200ha de vinha. Esta dimensão tem um impacto enorme na vindima: aqui, demora entre 7 a 8 semanas, com uma necessidade gigantesca de logística de vindima por casta, por viticultor, por zona geográfica, por capacidade de entrada na adega, por disponibilidade de armazenamento e um sem-número de outros pormenores que aqui são levados a um exponente ímpar.
A modernização já chegou a esta adega, onde existem equipamentos de análise, para apoio à decisão, únicos na Península Ibérica. Para além da participação activa na vindima, a Adega de Borba acompanha os seus viticultores ao longo de todo o ano, beneficiando a qualidade da produção e até mesmo influenciando - de acordo com as necessidades - o que pode ser privilegiado em cada área. Os números são impressionantes: 80ha de área de Touriga Nacional, 70ha de Syrah, 1000 barricas, 12000 metros quadrados de área na Adega, 57 anos de existência, 28 vinhos lançados no mercado entre 2002 e 2008, certificações ISO9001 e ISO22000, inúmeros prémios e um histórico invejável.
Depois de visitar a adega antiga - a que está activa - que incluiu a sala onde está a História do Adega de Borba Reserva Rótulo de Cortiça e onde também repousa o que se espera que seja o próximo expoente desta linha, passamos pelas linhas de produção (3, 6 e 9000 garrafas por hora, e uma adicional para bag-in-box de 3, 5 e 10 litros respectivamente), a sala limpa de enchimento de onde caem por efeito da gravidade as rolhas, o laboratório, a sala de evolução, o armazém e de volta à área administrativa. Durante todo o percurso, o Eng. Óscar Gato deu-nos uma verdadeira aula (fomentando o nosso próprio espírito crítico e inquisitivo) de como se pode lidar com várias ordens de grandeza acima da dimensão média dos produtores Portugueses, relativamente a tudo o que é possível e imaginário.
À nossa espera estava praticamente meio século do Adega de Borba Reserva Rótulo de Cortiça: 1964, 1977, 1982, 1994, 2008 e uma surpresa adicional. Antes disso, e para abrir as hostilidades, começamos por conhecer um muito bonito Rosé 2011 de Aragonês, com perfil seco, aromas florais e especialmente silvestres com frescura no ponto ideal. A gama Senses - uma aposta relativamente recente da Adega de Borba em monocastas - esteve também presente com o Senses Alvarinho 2010 (nariz tropical e boca de fruta branca, toque de baunilha e perfil seco), o Senses Verdelho que na realidade é Gouveio 2009 (nariz vegetal e floral, alguma fruta madura, frescura aceitável), o Senses Syrah 2010 (nariz vivo floral e mentolado com boca compotada e apimentada, boa frescura e doçura a meio tempo, provavelmente a precisar ainda de algum tempo de garrafa) e o Senses Touriga Nacional 2009 (nariz silvestre e frutado, uma enorme palete de aromas com toques de café e violetas, encorpado mas muito fácil de beber e que foi de longe o meu preferido - embora eu seja um fã assumido da Syrah - apesar dos seus 15%......).

No que diz respeito aos quase 50 anos do Adega de Borba Reserva Rótulo de Cortiça, a prova foi feita individualmente com uma discussão aberta:

Adega de Borba Reserva Rótulo de Cortiça 2008
Linda cor violeta, aromas vegetais e florais (violeta). Fresco e elegante, com especiarias (pimenta, cacau) e pimento verde. Persistência razoável, ainda com muitos anos para evoluir
Ricardo: 15

Adega de Borba Reserva Rótulo de Cortiça 1994
Nariz muito floral e vegetal, confirma a elegância do irmão mais novo com uma persistência e frescura bastante melhores.
Ricardo: 16

Adega de Borba Reserva Rótulo de Cortiça 1982
Nariz muito forte, cujos aromas florais e frutados dominam; enorme frescura e elegância acompanhados de uma excelente persistência.
Ricardo: 18

Adega de Borba Reserva Rótulo de Cortiça 1977
Aroma vegetal com toques de floresta, pimenta preta e especiarias, mantendo a elegância que caracteriza os irmãos mais novos.
Ricardo: 17

Adega de Borba Reserva Rótulo de Cortiça 1964
Tendo em conta a informação do rótulo, este terá sido uma segunda edição deste vinho. O nariz é evidentemente menos expressivo que os irmãos mas mantendo o perfil floral com sinais de óbvia evolução, com boca consistente e a mesma elegância. Com 48 anos, tem um excelente comportamento.
Ricardo: 16.5

Tivemos ainda o privilégio de provar uma amostra do que poderá vir a ser um Rótulo de Cortiça especial (?) 2009, actualmente a repousar no Tonel 6 - com 18 meses de estágio - e 14.5% de teor alcoólico. Ainda que seja uma amostra, já se reconhece o enorme potencial (vou tentar fazer uma encomenda "en primeur").

Esta prova vertical demonstra inequivocamente uma série de factos: é perfeitamente possível manter o perfil de excelência de um vinho durante um longo período de tempo (neste caso, quase 50 anos), mesmo não tendo o controle total das vinhas (porque são dos associados, embora aconselhados e acompanhados pela Adega de Borba); a quantidade não anda divorciada da qualidade, nem mesmo se tivermos em conta a enorme quantidade produzida em Borba e verifica-se no entanto uma diferenciação no grau alcoólico ao longo dos anos: (12.x% até 1982; 13.x% até hoje) ainda que o perfil se mantenha.

Depois da prova, passamos a um excelente almoço confeccionado e dirigido pel'A Cadeia Quinhentista (o restaurante fica precisamente na cadeia, no Castelo em Estremoz) onde foram servidos petiscos típicos alentejanos, cação com ameijoas e migas de batata, perdiz suada em azeite de borba e uma selecção de doces conventuais. Mesmo durante o almoço, o Eng. Óscar Gato desafiou-nos a analisar a combinação de vários vinhos com os petiscos, passando pelos Montes Claros (Reserva Branco e Garrafeira 2007), um licoroso com perfil de Tawny e para fechar a aguardente vínica.

Durante o resto da tarde - que já ia longa - visitamos ainda a novíssima Adega, que está praticamente pronta e que representa uma enorme aposta no crescimento da Adega de Borba, aumentando a capacidade de recepção, processamento e armazenamento de vinho para uma dimensão que - como se a actual não fosse considerável - é impressionante. Nesta Adega, sabe-se trabalhar no dia-a-dia, pensar os investimentos atempadamente e preparar o crescimento futuro com as condições adequadas. A Adega de Borba está de parabéns não só pelo percurso, pelas provas dadas desde 1955, mas também pela aposta contínua em melhorar o que existe - que por si é já de um elevado nível de qualidade.