Numa altura em que o vinho alentejano é maioritário em tudo o que é prateleira, até mesmo no norte do país, por vezes esquecemo-nos que nem sempre foi assim.
No meu caso não é bem esquecer, porque já sou do tempo do domínio alentejano. Afinal sou um jovem, estão a ver?
Se há produtores a quem se pode atribuir responsabilidade por esta mudança, um deles é o
Esporão, que surgiu há 40 anos atrás pela mão de José Roquette e Joaquim Bandeira, que quase nem aqueceram o lugar pois em 1974 a propriedade foi nacionalizada. A produção de vinho só veio a surgir em 1985, um ano após a herdade ter regressado às mãos dos mesmos.
Para comemorar o aniversário, a tarde no renovado edifício do enoturismo da Herdade do Esporão começou com uma prova técnica de vários vinhos da casa, desde a colheita de 1996 até algumas mais recentes. Não faltou um representante da Quinta dos Murças, do Douro, a única aventura do Esporão (para já?) fora do Alentejo.
Devo dizer que fiquei bastante surpreendido com a prova. Tinham sido raras as minhas experiências anteriores com vinhos do Esporão já com alguns anos. Os vinhos em novo (especialmente as gamas mais altas), apesar de por vezes terem a madeira ainda muito presente, costumam chegar ao mercado já com uma afinação que permite que estejam prontos a beber com poucos anos. Não esperaria, especialmente nos brancos, encontrar a elegância e frescura que encontrei por exemplo no Reserva Branco de 2004, ou mesmo no Reserva Branco de 1996.
Nos tintos a mesma coisa. Só o Reserva Tinto de 1996 me parece que não seja um vinho repetível. Não que os novos não possam chegar à maioridade em tão boa forma, mas sim pelo estilo mais rústico, com algum animal até - dentro dos limites que separam a complexidade do defeito - que os vinhos actuais certamente não terão.
A tarde chuvosa não convidou a sair lá para fora e, enquanto esperávamos pela hora de jantar, trocávamos umas palavras enquanto iam sendo servidos uns petiscos e alguns vinhos. Não sei porquê mas estava mais virado para o espumante, que fez uma boa companhia ao belíssimo presunto de porco preto com 40 meses de cura.
O jantar realizou-se nas caves, numa enorme mesa corrida em plena sala de barricas. Dificilmente haveria melhor palco para uma comemoração destas. O único senão foi não haver rede móvel, o que deve ter sido um descanso para os nossos amigos do Facebook, mas uma chatice para o
Ricardo. É que o
Vitória estava a jogar ali para os lados de Contumil, o que o fez ir lá fora no final de cada um dos pratos para saber como estava o jogo. Infelizmente
o resultado não permitiu que ele desfrutasse tanto da refeição como desejava, mas o fortificado de Verdelho com 8 anos de estágio que acompanhou a sobremesa ajudou à digestão. Pena ser só um ensaio e não estar à venda.
A banda sonora da noite esteve a cargo do
Rancho de Cantadores de Aldeia Nova de São Bento, um grupo de cantares tradicionais alentejanos. Sou sincero, não aprecio especialmente este tipo de cantares, mas devo reconhecer que têm algumas letras com bastante piada. Ainda de destacar que um dos elementos do grupo, Pedro Mestre, é um dos principais responsáveis pela preservação e divulgação da viola campaniça.
Resta-me dar uma vez os parabéns ao Esporão e desejar sucesso por muitos e bons anos. O país precisa de muitos "Esporões".